Nota pastoral do Bispo de Angra para a Quaresma.
“A MIM MESMO O FIZESTES…” (Mt 25, 40)
«Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes».
Assim se exprime Jesus, na Parábola do Juízo Final, em que Se identifica com os irmãos, que ajudamos ou deixamos de ajudar (cf. Mt 25, 34-40). Na espiritualidade cristã, o amor de Deus concretiza-se no amor para com o próximo. S. João, na sua 1ª Carta, não podia ser mais claro: «Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio a seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Temos dele este mandamento: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão» (1 Jo 4, 20-21).
Por outro lado, não pode haver verdadeiro amor do próximo, sem o amor de Deus, «derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado» (Rm 5, 5). É nesse sentido que o Papa Bento XVI, na sua recente Encíclica, apresenta a caridade, como o único caminho que pode garantir o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens. Não a «caridadezinha», mas a «Caridade na Verdade», que tem a sua fonte em Deus. «Para a Igreja – instruída pelo Evangelho – a caridade é tudo – explica o Santo Padre – porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha 1ª Encíclica, “Deus é Amor” (Deus Caritas Est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos seres humanos; é a sua promessa e a nossa esperança» (Bento XVI, Caritas in Veritate, 2).
Renúncia Quaresmal em favor de Haiti
Por isso, na Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa, ao apelar à justiça, recomenda também a lógica do dom e da gratuidade, que caracterizam o amor cristão e abrem caminho à justiça. É nesta perspectiva, que devemos procurar viver e promover a Renúncia Quaresmal, que, este ano, se destina à população de Haiti, para dar apoio à emergência social e à reconstrução do país. Através da Caritas dos Açores, que fará chegar este auxílio, o mais cedo possível, à Caritas de Haiti.
Sabemos que estão em curso várias campanhas com o mesmo objectivo, em diversos domínios e com diferentes modalidades. Não podia faltar a mobilização também da comunidade eclesial. Desde os inícios do Cristianismo, o Serviço da Caridade caracterizou sempre a missão da Igreja, juntamente com o Anúncio da Palavra e a Celebração dos Sacramentos. «A Igreja é a família de Deus no mundo. Nesta família, não deve haver ninguém que sofra por falta do necessário. Ao mesmo tempo, porém, a caritas-ágape estende-se para além das fronteiras da Igreja; a parábola do bom Samaritano permanece como critério de medida, impondo a universalidade do amor que se inclina para o necessitado, encontrado “por acaso”, seja ele quem for» (Bento XVI, Deus Caritas Est, 25).
Em 2009, o resultado da Renúncia Quaresmal, na Diocese, foi o seguinte: Euros 16.577, 50 (dezasseis mil, quinhentos e setenta e sete Euros e cinquenta cêntimos). Espero que, apesar das dificuldades do momento presente, sejamos generosos, partilhando, não apenas o supérfluo, mas até o fruto das nossas renúncias voluntárias ao longo da Quaresma. Nos primeiros tempos da Igreja, o Papa Leão Magno explicava desta maneira o sentido da penitência quaresmal: «Prescrevemos o jejum, para vos lembrar, não só a necessidade da abstinência, mas também das obras de misericórdia. Assim, o que poupardes das vossas despesas ordinárias transforma-se em alimento para os pobres».
Semana Nacional da Caritas
Ao longo da caminhada quaresmal, somos também convidados a viver a Semana Nacional da Caritas (1-7 de Março), com peditórios de rua e os ofertórios das Missas do fim de Semana do Dia da Caritas (6-7 de Março), destinados a apoiar a acção da Caritas, a todos os níveis.
A Caritas é o serviço oficial da Igreja para a acção sócio-caritativa. Na nossa Diocese, tem também o encargo de animar e coordenar toda a Pastoral Social, a nível paroquial e de zona, a nível de Ilha-Ouvidoria e de Diocese. Precisa, pois, de todo o nosso apoio, também material.
No quadro do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, o tema desta Semana Nacional da Caritas é o seguinte: «Erradicar a Pobreza e Radicar a Justiça». Para erradicar a pobreza, é preciso promover a justiça, sempre inspirada pela caridade. Urge remover as causas da pobreza, com reformas estruturais. Mas não é suficiente. «A injustiça, fruto do mal, não tem raízes exclusivamente externas; tem origem no coração do homem» – adverte o Santo Padre (Mensagem Quaresma 2010). Daqui a importância da Doutrina Social da Igreja, para formar as consciências segundo critérios evangélicos, criar pensamento e promover atitudes e comportamentos mais justos e solidários. Esta é uma das grandes tarefas da Pastoral Social.
Por outro lado, neste momento de crise, é preciso garantir presença no terreno, com sensibilidade social e iniciativas apropriadas, apoiando os serviços e movimentos existentes. Onde não há grupos de apoio social, é o momento oportuno para criar Núcleos Caritas, a nível paroquial e/ou inter-paroquial, para tomarem conhecimento, acompanharem e encaminharem os casos de emergência e exclusão sociais.
Dia Diocesano do Doente
Finalmente, gostava de lembrar que em Portugal, o V Domingo da Quaresma – este ano, a 21 de Março – é o Dia Diocesano do Doente. Pretende-se dar uma atenção especial aos doentes e seus familiares, envolvendo, cada vez mais, seja os pastores como os profissionais de saúde, as estruturas hospitalares e o voluntariado, as paróquias, os serviços e os movimentos eclesiais.
Muito se tem feito, neste sector. É possível e necessário fazer mais e melhor, sobretudo, a nível paroquial. Neste Ano Sacerdotal, o Papa recomenda “uma espécie de aliança” entre padres e doentes: «Estimados presbíteros, convido-vos a não vos poupardes no gesto de lhes oferecer cuidado e conforto. O tempo transcorrido, ao lado de quem se encontra na prova, revela-se fecundo de graça para todas as demais dimensões da pastoral» (Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial do Doente 2010).
A Quaresma é caminhada de conversão a Cristo e ao Seu Evangelho. Como explica o Papa, «converter-se a Cristo, acreditar no Evangelho, no fundo significa precisamente isto: sair da ilusão da auto-suficiência para descobrir e aceitar a própria indigência – indigência dos outros e de Deus, exigência do Seu perdão e da Sua amizade. Compreende-se, então, como a fé não é um facto natural, cómodo, óbvio: é necessário humildade, para aceitar que se precisa que um Outro me liberte do “meu”, para me dar gratuitamente o “seu”. Isto acontece, particularmente, nos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia.
«Graças à acção de Cristo, nós podemos entrar na justiça “maior”, que é a do amor (cf. Rm 13, 8-10, a justiça de quem se sente sempre mais devedor do que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar. Precisamente fortalecido por esta experiência, o cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades mais justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivificada pelo amor» (Bento XVI, Mensagem Quaresma 2010).
+ António, Bispo de Angra
Angra, 11 de Fevereiro de 2010.