Iniciativa inaugura comemorações dos 50 anos do Concílio e destinou-se a agentes de pastoral e sacerdotes
A zona pastoral da cidade, que reúne as paróquias de Matriz de São Sebastião, São Pedro, Santa Clara, São José e Nossa Senhora de Fátima, está a promover um conjunto de iniciativas que visa aprofundar o conhecimento do Concilio Vaticano II, as mudanças que ele já implicou e as que ainda estão por desenvolver, numa altura em que se assinalam os 50 anos da sua realização.
A primeira reunião realizou-se esta quarta feira, no Centro Cívico de Santa Clara, em Ponta Delgada, e contou com a presença de Monsenhor António da Luz, ex professor de Teologia no Seminário Episcopal de Angra, que viveu em Roma e acompanhou os trabalhos do Concílio, localmente.
Numa intervenção inicial, o sacerdote começou por lembrar que “o melhor e o mais importante do Concilio ou ainda não se conhece porque não foi aplicado ou as pessoas fingem que não sabem” e por isso, o atual Papa “faz bem em avivar-nos a memória”.
Partindo de uma caracterização genérica entre a Igreja antes do Concilio – “fechada e autoritária, cheia de dogmas e condenações, sem qualquer abertura ao diálogo”- e a Igreja depois da reunião proposta pelo Papa João XXIII- “um dom do Espírito Santo para a igreja e para o mundo, na sua simplicidade”-, Monsenhor António da Luz passou em revista uma das principais constituições do Vaticano II, a Lumen Gentium, para sublinhar as mudanças mais significativas operadas na Igreja, sobretudo ao nível dos esquemas de pensamento e de ação.
“Julgo que o Espirito Santo inspirou os padres conciliares naquilo que foi fundamental: o mistério de Cristo reflete-se no mistério da Igreja. Jesus Cristo é um mistério: um Deus que encarna, Deus homem, duas naturezas unidas numa só pessoa, em que ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem”, diz o sacerdote.
Depois, afirma o teólogo, “há a noção, pela primeira vez, de que a igreja é constituída por homens e mulheres, que trazem consigo esta força de Deus” o que constitui “uma lufada de ar fresco”, porque pela primeira vez “se começa a falar em povo de Deus” que “não é um povo qualquer”.
“Esta é, porventura, a segunda mudança mais impressionante: a de que Cristo é a cabeça da igreja e a Igreja é esposa de Cristo, e esta união é indissolúvel” refere o sacerdote.
“ Todos os membros deste povo têm a mesma dignidade embora as funções sejam diferentes. Esta é a grande mudança: o batismo é o ponto de partida que faz de cada membro da igreja filho de Deus e da igreja, independentemente da função que cada um tem dentro da organização da igreja, seja presbítero, seja religioso ou leigo”, refere ainda.
Para Monsenhor António da Luz “a graça é a mesma e esta noção de igualdade é absolutamente essencial porque nos coloca todos como servidores de um mesmo Senhor” diz concluindo que “a igreja de Jesus Cristo é servidora; e senão servir não é igreja de Jesus Cristo”.
O sacerdote lembrou que a primeira reforma que surgiu do Concilio foi a litúrgica, “onde já se vinha a trabalhar há algum tempo” mas a reunião magna começada por João XXIII e terminada por Paulo VI teve o condão “de devolver a Igreja ao mundo ultrapassando uma ideia de uma entidade abstrata, fechada sobre si e centrada no Papa em vez de estar centrada no essencial : Jesus Cristo”.
“O Concílio foi um milagre porque, entre outras coisas, permitiu o diálogo; admitiu a diferença e o contraditório e isso fez com que a Igreja se voltasse para o mundo e para a realidade concreta”, frisa Monsenhor António da Luz destacando que nesta reunião “ a igreja se recentrou”.
“A igreja é luz mas não uma luz própria; ela reflete para o mundo a luz que recebeu de Cristo. É a ideia fundamental do Concílio e é aquela que temos de aprofundar”, conclui.
Esta reunião na Ouvidoria de Ponta Delgada, zona pastoral da cidade, foi a primeira de algumas que estão pensadas para aprofundar o conhecimento dos textos do Concilio- quatro constituições, nove decretos e três declarações-, sendo que para o dia 5 de dezembro está agendada uma conferência na Igreja Matriz de Ponta Delgada, para assinalar os 50 anos do Vaticano II.
Durante o encontro de ontem, o pároco de São José, Pe Duarte Melo, que orientou os trabalhos, lembrou que esta reunião “é um sinal dos tempos conciliares” porque “assenta no diálogo”.
Na segunda parte da reunião foram discutidos aspetos práticos da vivência das várias paróquias da cidade, desde logo porque na assembleia estavam elementos dos respetivos conselhos pastorais, e elencaram-se algumas atividades que estão a ser desenvolvidas pela igreja tendo em conta sobretudo “um encontro com as carências materiais e também existenciais”, nomeadamente junto da terceira idade.
“As nossas paróquias da cidade vivem um problema de envelhecimento galopante e há que pensar no tipo de pastoral que vamos desenvolver”, disse o Pe Duarte Melo, que é neste momento o responsável diocesano pela pastoral social.
“Como é que esta cidade pode mostrar um rosto misericordioso que se expresse desde logo através da caridade”, disse o sacerdote lembrando que os “Açores são uma das regiões mais pobres do país” e “é tempo de sermos solidários, mais do que nunca porque o nosso irmão passa dificuldades, em casa, no hospital e a igreja não pode estar indiferente a estas realidades, que são santificadoras”.
“Ficarmos por uma liturgia bonita e triunfante pode ajudar mas também nos pode anestesiar e hoje não podemos ficar só pela reza; temos de pedir a Nosso Senhor que nos livre desta tentação”.