Bispos afastam cenários de mudanças «espetaculares»

Trabalhos começaram com reflexão sobre papel central da família e abordaram desafios colocados pelo divórcio

O cardeal André Vingt-Trois, um dos presidentes-delegados do Sínodo dos Bispos, que decorre no Vaticano, afastou hoje um cenário de “mudanças espetaculares” na doutrina da Igreja sobre o matrimónio e a família.

“Se vieram a Roma com a ideia de que iriam regressar com mudanças espetaculares da doutrina da Igreja, vão ficar desiludidos”, disse o arcebispo de Paris aos jornalistas, na primeira conferência de imprensa da 14ª assembleia geral ordinária do organismo consultivo, que decorre até 25 de outubro.

O responsável admitiu que desde a reunião extraordinária de 2014 houve “pressão” mediática, centrada em temas específicos como o divórcio ou a homossexualidade que muitas vezes não faziam parte das principais preocupações dos participantes.

Para o cardeal francês, não está em causa “abrir indiferentemente o acesso à Comunhão” para todas as pessoas, mas enfrentar a “profunda mudança” da sociedade, que a Igreja tem de acompanhar.

Já D. Bruno Forte, secretário-especial do Sínodo, acrescentou que a Igreja “não pode ser insensível” aos desafios de um tempo e de situações que mudam.

Nesse contexto, falou num “Sínodo pastoral”, mais do que “doutrinal”, procurando aproximar a Igreja dos “homens e mulheres de hoje”.

A primeira reunião de trabalhos, esta manhã, contou com a apresentação do relatório inicial, pelo cardeal Peter Erdö, relator-geral do Sínodo, no qual se propõe um acompanhamento “misericordioso” para quem vive situações familiares difíceis, sem questionar a “indissolubilidade” do matrimónio.

O relatório aborda casos específicos, como os divorciados não recasados, para os quais se pede a criação de centros de aconselhamento diocesanos que ajudem os cônjuges nos momentos de crise, apoiando os filhos “vítimas destas situações”, sem esquecer “o caminho do perdão e da reconciliação, se possível”.

Para os divorciados recasados, por outro lado, pede-se “uma aprofundada reflexão”, tendo em conta “um acompanhamento pastoral misericordioso que, no entanto, não deixe dúvidas sobre a verdade da indissolubilidade do matrimónio, como ensinado pelo próprio Jesus Cristo”.

“Não é o naufrágio do primeiro matrimónio, mas a convivência na segunda relação que impede o acesso à Eucaristia”, pode ler-se.

O texto introdutório aborda o chamado “caminho penitencial”, especificando que este pode referir-se aos divorciados recasados que praticam continência e que, portanto, “poderão aceder também aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, evitando porém provocar escândalo”.

O texto passa em revista os desafios para a família – migrações, injustiças sociais, salários baixos, violência contra as mulheres – e a desconfiança atual face às instituições e aos compromissos definitivos.

Lançando os trabalhos deste ano, o cardeal húngaro frisou que os valores do matrimónio e a família oferecem possibilidades de “desenvolvimento” a cada pessoa que são únicas.

O relatório alude ao cuidado pastoral das pessoas homossexuais, reafirmando os princípios de “respeito e delicadeza”, antes de recordar que “não há fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus para o matrimónio e a família”.

Os últimos parágrafos abordam o tema da vida, lembrando a sua “inviolabilidade” desde a conceção até à morte natural, recusando por isso o aborto e a eutanásia.

Após propor uma “cultura da vida”, o relatório assinala a importância de um “um ensino adequado sobre métodos naturais para a procriação responsável”.

Em conclusão, o cardeal Erdö afirmou que “para enfrentar o desafio da família hoje, a Igreja deve converter-se e tornar-se mais viva, mais pessoal, mais comunitária, também a nível paroquial e nas pequenas comunidades”.

Entretanto, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considerou que o Papa está “muito atento” a todos os fatores de “desagregação social e comunitária” que afetam as famílias, centro da assembleia sinodal em curso no Vaticano.

“O que é preciso é reforçar esta primeira aprendizagem social que é a família de cada um e que as próprias sociedades deem à família o valor primordial que ela tem de ter para o bem e para o futuro das sociedades”, explicou D. Manuel Clemente, em declarações à Renascença, no início dos trabalhos do Sínodo dos Bispos.

O cardeal-patriarca de Lisboa destacou que hoje “é possível” realizar um percurso individual que “não havia noutros tempos”.

“Por isso, é que o reforço da realidade familiar, do seu valor, da sua importância, da sua urgência a que é a vocação da família é a sua missão”, frisou.

Neste contexto, assinalou que se os cristãos “também” acreditam nisso têm de estar na “primeira linha do reforço da realidade familiar, do seu acompanhamento, da sua preparação”.

D. Manuel Clemente, que juntamente com D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco, representa a CEP no Sínodo 2015, comentou ainda as declarações de um sacerdote, funcionário da Cúria Romana, que revelou ser homossexual.

“É uma contradição absoluta com o que ele, enquanto padre, se comprometeu a fazer quando fez votos de celibato mas também com a sua missão. Afinal, estava numa congregação e é colaborador de uma congregação que tem como objetivo promover e defender a fé e os costumes na visão cristã e católica”, desenvolveu.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa constata que os membros do sínodo são “pessoas amadurecidas” e os próprios casais e as famílias que participam “são protagonistas de outra ideia e de outra vivência da sexualidade e da conjugalidade”.

Nesse sentido, entende que as pessoas que querem pressionar a assembleia sinodal “podem desiludir-se”.

A 14ª assembleia geral ordinária do Sínodo, sobre o tema ‘A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, decorre até 25 de outubro.

CR/Ecclesia

 

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