Papa deixou saudação a populações indígenas durante encontro com representantes da sociedade civil e apela novamente à defesa da biodiversidade
O Papa apelou esta terça feira, último dia da visita ao Euqador, à defesa da biodiversidade e das florestas da Amazónia, durante um encontro com representantes da sociedade civil, em Quito, com um grupo de delegados das populações indígenas amazónicas.
“O Equador – juntamente com os outros países detentores de franjas amazónicas – tem uma oportunidade para exercer a pedagogia duma ecologia integral. Recebemos o mundo como herança dos nossos pais, mas também, lembremo-nos, como empréstimo dos nossos filhos e das gerações futuras, a quem o temos de devolver, e melhorado”, declarou, na igreja de São Francisco, na capital Equatoriana.
Retomando os alertas que deixou na sua encíclica ‘Laudato si’ sobre a desflorestação da Amazónia, o Papa argentino sustentou que a exploração dos recursos naturais “não deve apostar no benefício imediato”.
“O conceito económico de justiça, baseado no princípio de compra-venda, é superado pelo conceito de justiça social, que defende o direito fundamental da pessoa a uma vida digna”, observou.
A intervenção retomou a ideia de “hipoteca social”, recordando que na Doutrina Social da Igreja os bens “estão destinados a todos”, embora uma pessoa possa ostentar de forma “legítima” o seu título de propriedade.
“A esperança dum futuro melhor passa por oferecer oportunidades reais aos cidadãos, especialmente aos jovens, criando emprego, com um crescimento económico que chegue a todos e não se fique pelas estatísticas macroeconómicas, com um desenvolvimento sustentável”, defendeu o Papa, alertando para os problemas dos jovens que “nem estudam nem trabalham”.
Francisco sublinhou ainda a importância de dar voz a todas as forças sociais, “os grupos indígenas, os afro-equatorianos, as mulheres, os grupos de cidadãos”, porque muitas vezes “as relações sociais ou o jogo político se baseiam na luta, que produz descarte”.
O Papa recebeu as chaves da cidade de Quito, antes de ingressar na igreja de São Francisco, das mãos do presidente do município local, e disse depois que este gesto o tornou uma pessoa “de casa”, da “família”.
O programa do terceiro dia da viagem ao Equador encerrou-se com uma visita privada à ‘Iglesia de la Compañía’, dos jesuítas, presentes em Quito desde o século XVI, incluindo uma oração diante da imagem de Nossa Senhora das Dores.
Para trás, nesta terça feira ficou um encontro na Universidade Católica Equatoriana, onde voltou ao tema do ambiente.
“Uma coisa é certa: não podemos continuar a virar costas à nossa realidade, aos nossos irmãos, à nossa mãe terra. Não nos é lícito ignorar o que está a acontecer à nossa volta, como se determinadas situações não existissem ou não tivessem nada a ver com a nossa realidade”, declarou, durante um encontro que decorreu na Universidade Católica Equatoriana.
“Não nos é lícito, mais ainda, não é humano entrar no jogo da cultura do descartável”, acrescentou.
A primeira viagem após a publicação da ‘Laudato si’ sublinhou a necessidade de contrariar o “uso irresponsável e o abuso dos bens” que Deus colocou na terra.
“Não cessa de ecoar, com força, esta pergunta de Deus a Caim: «Onde está o teu irmão?» Eu interrogo-me se a nossa resposta continuará a ser: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?»”, assinalou Francisco.
O Papa voltou a lamentar que não sejam notícia as mortes de pobres, por causa da “fome e do frio”, em contraponto ao “escândalo mundial” que se gera perante perdas nas bolsas das principais capitais.
“Eu pergunto-me: onde está o teu irmão? Peço-vos que façais outra vez essa pergunta, cada um, e que a façais à universidade, à Universidade Católica”, referiu, de improviso.
“Tudo está relacionado entre si, não há direito à exclusão”, disse depois.
A intervenção partiu dos relatos do livro bíblico do Génesis sobre a criação do universo, sublinhando a “missão” que Deus confia ao ser humano.
“Cultiva! Dou-te as sementes, a terra, a água, o sol; dou-te as tuas mãos e as dos teus irmãos. Aqui o tens; também é teu. É um presente, um dom, uma oferta. Não é algo de adquirido, comprado; mas antecede-nos e ficará depois de nós”, explicou o Papa.
O primeiro pontífice da América Latina na história da Igreja Católica recordou que na narração do Génesis, ao lado da palavra “cultivar”, aparece “imediatamente outra, cuidar”.
“Uma explica-se a partir da outra. Andam de mãos dadas. Não cultiva quem não cuida, e não cuida quem não cultiva”, precisou.
O Papa chegou à Universidade Católica do Equador após um breve percurso em papamóvel aberto, acompanhado por milhares de pessoas, desde a Nunciatura Apostólica (embaixada da Santa Sé), onde tinha parado, durante alguns minutos, para cumprimentar crianças que esperavam por si.
Neste contexto universitário, Francisco convidou os presentes a interrogar-se sobre a “educação a respeito desta terra que clama ao céu”.
Na missa que celebrou logo a abrir o dia, o Papa recordou o “grito de independência” da América Latina, uma resposta dos que se sentiam “espremidos e saqueados” perante a “falta de liberdade”, e falou de uma fé “revolucionária”.
“Dando-se, o homem volta a encontrar-se a si mesmo com a sua verdadeira identidade de filho de Deus (…). Isto é evangelizar, esta é a nossa revolução – porque a nossa fé é sempre revolucionária – este é o nosso grito mais profundo e constante”, afirmou, perante mais de um milhão de pessoas reunidas na no Parque do Bicentenário (da independência).
Esta é a segunda visita do Papa Francisco à América Latina, após a viagem ao Brasil em 2013, e a primeira a países de língua hispânica.
A independência dos países da América Latina foi festejada entre 2010 a 2014, com exceção do Peru e do Brasil (2020-2022).
O pontífice argentino considera que a ação evangelizadora da Igreja Católica é “tão urgente e premente” como o desejo de independência, com “o mesmo fogo que atrai”.
“Poderá a evangelização ser veículo de unidade de aspirações, sensibilidades, esperanças e até de certas utopias? É claro que sim, acreditamos nisso mesmo”, afirmou.
Francisco disse que a “alegria do Evangelho” traz a libertação “do pecado, da tristeza, do vazio interior”, oferecendo à humanidade um horizonte de “unidade”.
A Missa foi concelebrada por cerca de 2000 mil sacerdotes e uma das leituras da cerimónia foi proclamada em Quéchua, por um leitor indígena.
No final da Eucaristia, o Papa dirigiu-se à assembleia para pedir que todos sejam “um”, verdadeiros “irmãos”, e que a Igreja “seja uma casa de irmãos”.
Francisco realiza até ao próximo dia 13 a nona viagem apostólica internacional do pontificado para visitar o Equador, a Bolívia e o Paraguai, prevendo-se a participação de milhões de latino-americanos nas cerimónias presididas pelo primeiro pontífice desta região na história da Igreja Católica.
O Papa vai percorrer 24 730 quilómetros (equivalente a mais de meia volta ao mundo) em sete voos que totalizam cerca de 33 horas.
CR/Ecclesia