Na Aula magna da Universidade de Lisboa passou ontem um acontecimento que me tocou vivamente: o lançamento, em 30 volumes, da obra do Padre António Vieira.
A recolha mais completa que se fez na história e que deixa abertas investigações futuras.
Certamente nunca os lerei todos. Mas tenho a sensação de estar perante um grande compêndio com a história de Portugal, com a recontagem da Bíblia, com uma pintura prolixa de centenas de quadros do Antigo e Novo Testamento, com parábolas recontadas e, de tão vivas, acontecidas no meio de nós. E tudo desenhado pelo pincel mágico das letras e sob o lastro sublime da palavra.
Que dom admirável tinha Vieira de anunciar o Evangelho, proclamar a justiça, defender os pobres, estar do lado dos indígenas, irmanar Portugal e Brasil, ser implacável e doce, errante e firme, no alto e no sopé da montanha, com firmeza e doçura. E sempre com a espada do Verbo, a harmonia e sonoridade da palavra feita mosaico de palavras com música, poema, teologia, esperança, clareza e rigor, na harmonia da escrita que parece ser sempre em voz alta.
Os sermões do Padre António Vieira não são para ler mas para ouvir em vibrante proclamação, virando páginas e páginas sem darmos por isso. Lembrei-me de S. Agostinho que gostaria de ter ouvido S. Paulo em voz alta (ou de tantos que gostariam de ter ouvido a pregação de S. Agostinho).
Mas ouvi mais na noite de ontem: homens sábios deste tempo e deste país, da mesma pátria de Pessoa e da língua portuguesa, que souberam falar de Vieira com sapiência e coração. Eduardo Lourenço que nem se deu ao trabalho de olhar o papel, se é que o levava. Abriu a boca e disse de Vieira e da sua palavra, a reflexão que parecia de um crente profundo que tocava a essência do espírito em cada dizer de Vieira. E outros se seguiram mais em análise que em apologia, a dissertar com rigor e isenção sobre um homem e um missionário que é uma espécie de bandeira firme que nunca nos deixa assustar nem deixa estremecer a fé com os ventos da história. Senti o orgulho de na nossa terra haver, hoje, homens e mulheres que não têm receio de se entregarem às causas do espírito como profissão, arte, investigação infatigável.
E foi um ilhéu, da Ilha da Madeira – Eduardo Franco – que desencadeou todo este processo, como se tem lançado em outras epopeias editoriais do passado e do presente, revolvendo o pó da história, para nos trazer o cerne impoluto de tantos espíritos sábios e santos que nos precederam e nos acompanham no nosso itinerário.
Nem imaginamos as harmonias que nos rodeiam e que recriam permanentemente as nossas vidas.
P.António Rego