Os bispos portugueses salientaram a importância de um pluralismo democrático, antes e depois do 25 de Abril, rejeitando a ideia de um “partido católico”, no pós-revolução.
Em 1973, a Conferência Episcopal publicou uma Carta Pastoral no décimo aniversário da ‘Pacem in Terris’, encíclica do Papa João XXIII, na qual se afirmava que “a Igreja reconhece e defende o pluralismo de opções políticas”.
O documento denunciava “carências habitacionais, alimentares, sanitárias, educativas e de emprego”, em Portugal.
No texto, publicado em maio de 1973, os bispos sustentavam que existiam “direitos humanos ainda não plenamente reconhecidos ou respeitados e, em vários casos, aspetos legislativos que importa aperfeiçoar”.
A perspetiva cristã, podia ler-se, “determina uma tomada de posição e exige se intervenha nos centros onde se decidem os diversos modos de estar no mundo: na vida política, nacional e internacional, na empresa, nos sindicatos, nas associações patronais, na vida comunitária local”.
Já em 1974, poucos dias após o 25 de Abril, o episcopado português publicou uma nota pastoral, convidando à “edificação de uma ordem social assente na verdade, na justiça, na liberdade, no amor e na paz”.
O texto, de duas páginas, recordava aos padres e religiosos que não devem ocupar cargos políticos e aos partidos que nenhum deles pode reivindicar para a sua opinião, “de modo exclusivo”, a autoridade da Igreja.
Os pronunciamentos dos bispos
– “Considero que a Igreja é ainda diplomática, demasiado diplomática. Diplomática em vários dos seus serviços, nas respetivas estruturas e sobretudo na mentalidade de muitas pessoas” (D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, ‘Jornal de Notícias’, 24-08-1974; ‘Bater a Penitência no Peito dos Outros?!’, Cadernos Telos/11). – “Finalmente, este conselho quer afirmar que pensa terem-se aberto novos caminhos para a libertação do povo português e que tomou maior consciência do que significa partilhar as alegrias e as esperanças dos homens” (Declaração do Conselho Presbiteral do Patriarcado, ‘Boletim Diocesano de Pastoral’, maio/74). – “Os sacerdotes nordestinos têm sido, em certos meios de Comunicação Social, acoimados de retrógrados, de atrasados, de reacionários e eu sei lá de que mais. Não somos atrasados nem reacionários, sabemos o que queremos. Pode a pátria contar connosco para ajudarmos na renovação de Portugal. Não nos caluniem. Não nos dificultem a ação” (D. Manuel de Jesus Pereira, bispo de Bragança, ‘Manifestação dos Cristãos em Bragança’, ‘Tempo’, 31-07-75). “Exortamos todos os cristãos desta diocese a participarem, como testemunhas do Evangelho, na mudança de determinadas estruturas da sociedade, autenticamente escravizantes, para que, pelos atos e gestos da sua vida, se façam acreditar como irmãos de todos, sobretudo dos oprimidos, e sejam sinal de amor entre os homens” (Comunicado do Conselho Presbiteral do Clero da Guarda, ‘Voz Portucalense’, 06-09-75). “Teoricamente temos mais liberdade que no regime anterior e não somos inquietados pelo que dizemos ou fazemos, mas os meios de comunicação social mais importantes – rádio e televisão e imprensa – estão controlados por grupos sindicais ou políticos, e não se fazem eco das nossas afirmações ou publicam apenas alguns aspetos” (D. António Ribeiro, cardeal-patriarca de Lisboa, ‘Le Figaro’, 07-04-75). “Rejeitamos a sociedade em que não se respeita a liberdade da missão doutrinal da Igreja e se lhe rouba um instrumento essencial dessa missão: a nossa Emissora Católica, a Rádio Renascença” (D. Francisco Maria da Silva, arcebispo de Braga, ‘Manifestação dos Cristãos em Braga’, ‘Notícias de Viana’, 14-08-75). – “A euforia da independência está a transformar-se em pesadelo, cheio de apreensão e interrogações. A insegurança no presente e a incerteza do futuro, o caos económico e o banditismo…” (D. Eurico Dias Nogueira, Bispo de Sá da Bandeira, ‘Voz Portucalense’, 18-10-75.) – “É preciso que os cristãos acordem, que acordem os que porventura tenham estado adormecidos, e que vivam as autênticas realidades da nossa sociedade” (D. Manuel de Almeida Trindade, bispo de Aveiro, ‘Manifestação dos cristãos em Aveiro’, ‘Nova Terra’, 17-07-75). – “O Evangelho dá uma inspiração, dá um sentido à vida, dá critérios, mas não dá soluções concretas de ordem política ou social” (D. Manuel Franco Falcão, bispo coadjutor de Beja, ‘Expresso’, 25-10-75). – “A maior parte das culpas eram atribuídas ao clero, acusado de forma virulenta, reacionária e obscurantista. Foi-se ao ponto de, na televisão, um oficial que fazia parte da coluna, se explanar em considerações sob o modo como as freguesias da diocese de Vila Real deviam ser providas” (D. António Cardoso da Cunha, bispo de Vila Real, ‘Manifestação dos católicos em Vila Real’, ‘Nova Terra’, 28-08-75). |
Já a 16 de julho de 1974, um documento mais longo aborda o “contributo dos cristãos para a vida social e política”, referindo que “o movimento de 25 de Abril pôs termo a um regime político de quase meio século e abriu ao Povo português a possibilidade de um futuro marcado pelo ideal democrático”.
“A Igreja não tem partido ou partidos seus. E a hierarquia, salvo casos extremos, não tem de apontar aos cristãos os programas ou os partidos que devem perfilhar ou recusar”, escreviam os bispos.
A carta pastoral realçava que “nenhum partido ou movimento político se pode legitimamente arvorar em defensor exclusivo ou privilegiado do pensamento e interesses da Igreja”.
Além de pedir uma “solução digna e justa para o ingente e complexo problema do Ultramar”, os bispos recordavam os “defeitos do regime” do Estado Novo, realçando que, “se nem sempre os denunciou publicamente ou da forma por alguns desejada, muitas vezes o fez mediante diligências diretas, como julgou mais oportuno ou eficaz, num condicionalismo que não foi único na moderna história da Europa”.
“Aceita, porém, que, tanto ao nível da hierarquia como do laicado, possam pesar sobre ela responsabilidades por erros cometidos ou partilhados”, acrescenta o texto.
A carta pastoral insiste na importância da “pluralidade de opções”, considerando que “mesmo entre cristãos, sem prejuízo da unidade da fé e caridade, são lícitas e normais as divergências políticas”.
“A pluralidade de opções no domínio da política — como, aliás, na generalidade dos outros domínios da vida humana — é expressão normal de uma liberdade que se encontra condicionada pelas limitações da inteligência e da vontade e pelas mais diversas circunstâncias da existência”, assinalavam os responsáveis católicos.
Os bispos apresentavam reflexões sobre o socialismo, marxismo e liberalismo, mostrando preocupação com a possível manipulação das “massas populares, perigosamente despolitizadas”.
“A Igreja estará presente neste momento decisivo da história de Portugal, que é em grande parte também a sua própria história. Estará presente com lealdade e espírito de serviço”, concluía a carta pastoral.
(Com Ecclesia)