Por Carmo Rodeia
Pobres em Portugal: 2 milhões e duzentos mil. Pobres em todo o mundo: 1,3 mil milhões. Estes sãos os números da pobreza, que a pandemia veio pôr em evidência. No mundo, quase que duplicou o número de pobres. Em Portugal foram mais umas centenas de milhar.
Lembro-me quando apareceram aqueles aro-írirs cheios de boas intenções, com a frase mais badalada durante os sucessivos confinamentos – Vai ficar tudo bem- que escrevi, neste sitio, que não, não iria ficar tudo bem. Do ponto de vista sanitário as coisas haveriam de compor-se como sempre se compuseram. A investigação cientifica, o conhecimento do vírus, e das suas mais que previsíveis mutações, fariam com que o homem, uma vez mais se aplicasse no estudo e daí surgissem antídotos que pudessem vencer este bicho invisível, com mais ou menos sofrimento ( o que não é despiciendo), num tempo mais curto ou mais longo. A certeza é que haveríamos de o vencer, e estamos a vencer, apesar da pandemia ainda não ter sido debelada e de não sabermos como é que pode avançar mais depressa a vacinação sobretudo nos países mais pobres. E o resto?
Voltando ao tema que me traz, a pobreza, é óbvio que não iria ficar tudo bem. Como não está tudo bem. Nem estará nos próximos tempos.
A pobreza, no mundo, em Portugal e nos Açores, em particular, é um problema enorme. 28,5% da população açoriana é pobre. É também nos Açores que existe uma maior desigualdade na distribuição dos rendimentos. O maior nível de exclusão social regista-se igualmente na Região.
A situação nos Açores não é resultado da pandemia, dirão alguns, mas a pandemia veio agravar uma tendência de décadas que só poderá ser resolvida em décadas mas que exige que todos façamos a nossa parte, já hoje. Sobretudo, no combate aos salários baixos e emprego precários.
Uma das conclusões mais perturbadoras dos vários estudos que têm vindo a público nos últimos dias dá conta de que os pobres não são só os que não têm trabalho ou fontes de rendimento e que, muitos desses pobres são trabalhadores precários, com rendimentos insuficientes e muitos deles com qualificações muito superiores à tarefa que desempenham. Isto é, hoje os pobres não são só os que não têm estudos ou qualificações. São também esses mas todos os outros, e entre os outros, há muitos jovens.
Este é, sem dúvida, o problema dos problemas. E nós, o que podemos fazer?
Estamos a iniciar um terceiro ano de caminhada sinodal. Somos convidados a ser uma igreja em saída, preparada para a missão, tendo os mais frágeis e os mais desfavorecidos na mira dos nossos olhos.
“Que fizeste do teu irmão?” é um repto sempre atual, que o Evangelho nos coloca. Conseguiremos dar uma resposta através da fé?
Temos um dever de agir. Como dizia o Presidente da República no lançamento do livro que, a título póstumo, Bruta da Costa, um dos rostos mais conhecidos da luta contra a pobreza, deu à estampa, “essa é uma das dimensões da ética do cuidado: agir no plano social, diríamos, político, no sentido mais vasto da política”.
A fé não se vive só nos templos, não se vive apenas à porta fechada em reflexões pré feitas, ouvindo sempre os mesmos e cujas conclusões já as conhecemos antes mesmo de definirmos as perguntas.
A oração é importante; refletirmos em conjunto é fundamental para crescer no esclarecimento e numa dimensão que não seja apenas piedosa.
Um dos grandes ensinamentos da acção católica, inspirada pelos textos conciliares, é que a fé seja vivida no espaço publico. Por isso, a fé tem inevitavelmente implicações sociopolíticas, se não é uma fé coxa. Em matérias como a pobreza é impossível que os cristãos, de acordo com o percurso que cada qual tem da sua fé, não se sintam obrigados a projetá-la no espaço público.
Caminhar sinodalmente também há de ser isto…