Por Carla Silva*
São Mateus, Época de Natal, 2015
Meu querido Menino,
gostaria de te poder dar um abraço imenso, um abraço daqueles que desgastam os efémeros e sentir em mim todo o perdão do Mundo. Muitas vezes esta é a forma de despedida numa carta, mas ilumina-me a alma começar pelo teu abraço. Ambos precisamos demais de abraços. No Pico, há fome de abraços!
Sou picarota e o frio deste Natal consome-me!
Há crianças por demais presas ao Tempo das novas tecnologias; há pais por demais consumidos pelo valor da prenda que vão entregar na noite (essa noite que é tão Tua); há adultos que deturpam por demais as explicações acerca das luzes que enfeitam as ruas e as casas; há olhares de pobreza por demais enfeitados por joalheria caríssima; há rostos tão fugazes que magoam a humildade… não… não perdi o “por demais”. O “por demais” enche as vidinhas de tantos de nós.
Sou picarota e o frio deste Natal consome-me!
Queria ver nas mesas apenas o figo passado dividido pelos 10 filhos, na chaminé o fumo dos galheiros a aquecer os velhotes sentados na beira do banquinho, com o colo branqueado pela farinha da bolacha de milho, à porta o som das vozes quentes dos amigos e tudo a gritar pelo Menino Jesus que deixa na caminha feita de palha a linda boneca de trapos e o carro de bois feito às escondidas por mãos gretadas e escurecidas pelo dia a dia, o postal da América silabado por mães a soluçar. Retrógrada? Não, o “por de menos” era balançado pela importância de se ser Família, de se estar juntos, de se ter muito de tão pouco. A Luz que se confundia com a da candeia era outra, tinha outra projecção…
Meu Menino, sou picarota e o frio deste Natal consome-me!
Certamente no teu abraço encontrarei o calor das luzes que enfeitam tantos Natais “por demais” ou “por de menos” vividos pelos nossos picarotos, pelos nossos açorianos. Este frio montanhoso que me consome neste Natal merece ser espelho de muitos frios por essas ilhas fora…
Naquele abraço, meu Menino, meu Amigo!
* Presidente do Conselho Geral da Caritas da Ilha do Pico