Por Carmo Rodeia
Assinalam-se esta quarta-feira 11 anos desde a eleição do Papa Francisco.
Lembro-me que estava à espera de um dos meus filhos, que se encontrava a treinar no campo de futebol anexo ao Pavilhão Sidónio Serpa, quando o fumo branco foi anunciado e a TSF Açores, interrompeu a emissão para dar nota da eleição do novo Papa, que desta vez vinha por obra do Espírito Santo do outro lado do mundo.
Passou mais de uma década e o mundo já não é o que era.
A começar pela TSF, a de cá e a de lá. Deixámos de ter os grandes narradores, os comentadores esclarecidos e independentes que nos ajudavam a alargar a leitura do mundo e das coisas.
O mundo, tal como nós, mudou muito: as guerras, uma delas no coração da Europa e outra na terra de Jesus, entram-nos porta adentro todos os dias; a pandemia que nos pôs de joelhos e nos lembrou a nossa condição humana, finita mas muito amada nas circunstâncias de cada um; a migração de tantos pobres e vítimas da desgraça provocada pela ganância de alguns, o desejo de poder de outros e a indiferença de tantos de nós; as mortes consecutivas de crianças e jovens nos mares e nas travessias da nossa vergonha só porque um dia ousam sonhar com a paz ou com a melhoria da sua condição de vida; o fosso cada vez mais cavado entre os que têm tudo e os que mendigam um pouco de comida, de água ou um simples abrigo para reclinar a cabeça no meio dos escombros provocados pelo ódio… Poderia continuar a desfiar um rosário de lamentações mas não é o que importa para este artigo.
Francisco esteve presente em todas as ocasiões em que o mundo precisou de uma palavra de esperança. Tem tido mais oposição dentro de casa do que fora dela. É quase sempre assim.
Visitou migrantes, lavou pés a condenados, trouxe mendigos para casa, celebrou em prisões, lembrou as vítimas do holocausto, deixou palavras duras contra as doenças do século XXI- a indiferença, o individualismo, a eficácia em detrimento da justiça e da humanização- ; anuncia todos os dias o evangelho procurando instruir-nos na palavra de Deus, aconselha os que nem sempre apostam na confiança, adverte os pecadores anunciando a misericórdia, conforta os aflitos, reza pela paz e deixa caminhos , mesmo quando as veredas são estreitas e incompreendidas, lembra-nos que sozinhos somos poucos e por isso apela ao diálogo, sobretudo com os que estão fora, ao cuidado com os que estão na margem e à tolerância para os que são diferentes.
Por momentos, recuei ao tempo de Jesus e vieram-me à memória várias passagens do evangelho, quando o filho de Deus falava destas coisas e a oposição vinha de dentro, dos que professavam a religião da época como ele e dos que se diziam povo de Deus como nós.
Afinal, não mudou assim tanta coisa…
“Espero que este caminho de Igreja, que hoje começamos seja frutuoso para a evangelização desta cidade tão bela. E, agora, quero dar-vos a bênção, mas antes… antes peço-vos um favor: antes que o bispo abençoe o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim; é a oração do povo, pedindo a bênção para o seu bispo. Façamos em silêncio esta oração vossa por mim (…) como gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”.
Assim se apresentou Francisco ao mundo: visitou Lampedusa, primeiro destino de viagem para nos lembrar que o conforto do nosso contentamento é apenas a ilusão do fútil que leva à “globalização da indiferença”. Quem chorará por estas pessoas?
Propôs a maior reflexão sobre a família e convocou o primeiro sínodo onde os leigos foram protagonistas para falarem das suas famílias, nas misérias mas também nas alegrias e nas riquezas, na diversidade e no acolhimento, lembrando que são os mais frágeis e doentes que precisam de cura e de misericórdia e pedindo que imitemos o coração de Jesus.
Escreveu sobre o ambiente e o cuidado da casa comum, alargando o discurso da Igreja e desafiando-nos a uma cultura ecologicamente integral, isto é, que nos faça cuidadores em vez de donos disto tudo.
Falou-nos de misericórdia, num ano santo memorável em que canonizou a madre Teresa de Calcutá e nos recordou que todos têm direito à dignidade.
Foi a Fátima, como peregrino e canonizou os primeiros dois santos da Cova da Iria- Francisco e Jacinta Marto- naquele que foi porventura um dos meus maiores desafios profissionais como porta-voz e responsável pela comunicação do Centenário e da visita papal, no Santuário de Fátima.
“Temos mãe” recordou-nos Francisco, situando-nos num espaço que nos fala de Deus e da sua infinita misericórdia através de Nossa Senhora, que em Fátima como em todos os lugares onde se fez presente, nunca é o centro mas sim o refúgio e o caminho até Deus e pediu-nos que, agarrados a ela, nos sintamos confiantes e não percamos a esperança.
Fez um sínodo dedicado ao jovens , promoveu o diálogo inter-religioso apelando à amizade social e à fraternidade universal naquela que é uma das encíclicas mais importantes da história deste pontificado e de muitos que o precederam: “Fratelli Tutti” (todos irmãos).
Enfrentou a tragédia dos abusos, e do seu encobrimento, dentro da Igreja; rezou sozinho na Praça de São Pedro, carregando as dores da humanidade sofrida por um vírus e viveu a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa recordando-nos que na Igreja, como na vida, “há lugar para todos, todos, todos: jovens, menos jovens, velhos, justos, pecadores, desgraçados e desgraçadas… há espaço para todos”.
No ano em que assinala 11 de governo da Igreja apresenta-nos como caminho uma atitude sinodal, onde todos pelo batismo, somos corresponsáveis. Será que Jesus teria feito diferente?
(Este texto foi publicado também no Correio dos Açores)