Bispo de Angra apela a um compromisso renovado dos cristãos.
A Eucaristia é sempre celebração de ação de graças ao Senhor, pela Sua infinita misericórdia. Hoje temos motivos mais do que suficientes para louvar o Senhor. omemoramos os 500 anos da criação da Paróquia de Castelo Branco, dedicada a Santa Catarina de Alexandria. Quando a Igreja «comemora», «faz memória». Não recorda apenas um acontecimento passado: procura trazer para presente os valores, que, no passado, mobilizaram as pessoas a lançarem as bases de uma comunidade cristã, que persiste no presente.
1.Cinco séculos é muito tempo: vinte anos antes da criação da Diocese. É uma história, que se entrelaça com a história da freguesia. Como sabemos, o povoamento realiza-se em íntima ligação com a Igreja, entendida não apenas como edifício, mas, sobretudo, como comunidade. Aliás, a própria palavra «freguesia» tem origem eclesiástica. Vem de «feligreses»: «filii ecclesiae», filhos da Igreja, referindo-se, precisamente, aos que faziam parte da comunidade eclesial. Depois, o nome ficou para designar a comunidade civil, como acontece ainda hoje. Para a comunidade cristã adotou-se o nome civil «paróquia»: perto das casas, vizinhança…
S. João Paulo II gostava de referenciar a paróquia como «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas» – na bela expressão de S. João XXIII. Como muito bem explica o Papa Francisco, «a paróquia é presença eclesial no território… É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem a caminhar e centro de constante envio missionário. Temos, porém de reconhecer – adverte o Santo Padre –que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-se completamente para a missão» (A Alegria do Evangelho=AE, 2013, nº 28).
2.Por isso, este momento de ação de graças deve levar-nos a um compromisso mais decidido e consequente, no sentido de, como Igreja, nos tornarmos, cada vez mais e melhor, «discípulos missionários», como nos recomenda o Papa Francisco, que citando o Documento de Aparecida (2007), diz claramente que é preciso passar «de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária» (AE 15):
– «Em muitas partes, predomina o aspeto administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização, sem outras formas de evangelização» (AE 63).
– «Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel e nas necessidades concretas da história» (AE 95).
– «Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais, animais e ajudais: “Por isto é que todos conhecerão que sois Meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35)» (AE 99).
– «A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu erviço está uma minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja…
– «Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico; limita-se, muitas vezes, às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade» (AE 102).
– «Saiamos, saiamos, para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo» (AE 49).
3.A Igreja convida-nos a uma «nova saída missionária» (AE 20),«que não pode deixar as coisas como estão» (AE 25). O Papa Francisco quer uma Igreja de «portas abertas», para acolher as pessoas e ir ao encontro das pessoas, em qualquer situação se encontre. Jesus veio para todos e teve um carinho muito especial por aqueles/as que a sociedade marginaliza e descarta.
O Santo Padre compara a Igreja a um «hospital de campanha, após uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave, se tem o colesterol ou o nível de açucar altos. Primeiro, deve-se curar as suas feridas. Depois podemos nos ocupar do restante. Curar as feridas, curar as feridas… e é preciso começar por baixo» ( Entrevista à revista Civiltà Cattolica, 19 de Agosto de 2013).
«Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada, por ter saído pelas estradas. A uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos» (AE 49).
Esta comemoração é, pois, momento de ação de graças, mas também de revisão de vida e de relançamento do ardor missionário. Não se pode seguir o critério – adverte o papa: «sempre se fez assim». O mundo mudou: urge uma conversão pastoral em chave missionária.
Como transmitir o que não muda, num mundo em mudança? Só mudando. Não o Evangelho, que é o mesmo de sempre, mas a nossa atuação pastoral e, sobretudo, a nossa vida, que tem de ser um testemunho vivo do Evangelho de Jesus. Só assim é que seremos a Igreja de Jesus Cristo, hoje, aqui e agora, continuando a história desta paróquia, que hoje cumpre 500 anos.
Sempre centrada na Eucaristia, fonte de toda a vida cristã e da Evangelização. Sem Eucaristia não há comunidade cristã. A Eucaristia “faz a Igreja”, como sinal e sacramento do Reino de Deus. A Eucaristia é «pão partido» para um mundo novo. Realiza a comunhão na comunidade e torna-se sacramento e profecia de um mundo novo, mais justo e fraterno.
É esta esperança, que se torna compromisso, que queremos exprimir publicamente, com a Procissão do Santíssimo Sacramento, que se vai seguir à Celebração Eucarística.
+ António, Bispo de Angra
Castelo Branco (Faial), 10 de Julho de 2014.